domingo, 25 de setembro de 2011

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De repente tudo que é importante perde o sentido, como os sonhos infantis que o tempo carrega sem prévio aviso; tudo que é real perde a essência, como a inocência colorida que as decepções cobrem de cinza; tudo que se construiu desmorona, como um castelo de cartas exposto a um sopro que sussurra realidade aos ouvidos incrédulos.

Carcaças nostálgicas a se lembrar da felicidade que há muito partiu de mãos dadas com a ingenuidade, sem bilhetes de despedida ou um telefonema de adeus, sem tutorial de sobrevivência ou manual de instruções para o que fora deixado pra trás; repentinamente se foi do mesmo modo que repentinamente batera à porta, embora tivesse convite de entrada mas nunca horário de saída, pichando pelo caminho que quando não se tem planos de continuar é melhor sequer começar, porque o que se ganha a princípio nunca cobre o saldo das dívidas futuras.

Espera-se enfim que existam muros e placas pelo restante do percurso, e que a tinta não se acabe enquanto as interrogações continuam insistindo em permanecer.



"... I'm digging my way
I'm digging my way to something
I'm digging my way to something better..."


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Voice of the poet

Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)...
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore e até a flor, eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada, por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.

                                                                                                                     Fernando Pessoa